5.14.2007

Prò exemplo do uso do chapéu

Apesar de sobrecarregada pela grande diversidade de encargos que, na ordem da economia interna, grandemente a oneram e a que dificilmente acorre, a indústria de chapelaria depara hoje no mercado nacional com um fraco poder aquisitivo que, a prolongar-se na mesma linha de insistência com que se tem apresentado, gravemente comprometerá a sua situação.

A causa deste grave mal que reside no descaso que o público faz do uso do chapéu, sentir-se-á cada vez mais e os seus efeitos afectarão profundamente a economia nacional com todas as consequências de ordem social, que é fácil supor. Daqui procede estar a situação da chapelaria sèriamente comprometida e, com ela, a balança económica da Nação, em virtude da falta de solidariedade existente entre o interesse colectivo (o público) e o interesse de classe (os industriais e, com eles, todos quantos vivem deste ramo de negócio). Se o que é útil à abelha, é útil à colmeia, o que se torna necessário ao industrial de chapelaria é mister à comunidade, dependente em si do trabalho e bem-estar das várias associações organísmicas que para ela concorrem.

Ora, há já alguns anos, que em Portugal faz carreira a pretensiosa moda dos “descarapuçados”. Quase se não usa chapéu, porque uma estranha correlação psicológica entre a superficialidade e a cabeça ao léu a tal impele; quase se não usa chapéu, porque a autoridade do exemplo não surge.

Nestas circunstâncias, é de louvar o mais pequeno esforço que se faça em ordem à debelação deste estado de crise, pequeno esforço que está ao alcance de todos nós pelo simples facto de trazermos este tão cómodo como útil acessório da nossa elegância, este produto nosso, executado em fábricas portuguesas, com o trabalho e suor de muitos portugueses e de que a indústria nacional justamente se orgulha: o chapéu. Mòrmente o esforço daqueles que bem servem a Nação no exercício dos mais elevados cargos teria neste particular uma decisiva influência. É que temos visto, com vivo pesar, que em contravenção da aflitiva realidade desta situação, de uma evidência constringente, muitas personalidades de relevo, inclusivé mentores dos destinos económicos do país, se apresentam em público sem chapéu.

Por moda, tal prática é funesta e cria a esta indústria dificuldades em construir em bases sólidas uma razoável euforia.

Ora bem sabemos todos nós quanto a estabilidade da rotação económica do país depende do grau de consumo dos diversos artigos que dão vida ao comércio e à indústria para, uma vez diminuido, logo se sentirem graves perturbações na orgânica da Nação.

Para obviar aos grandes males que, da evolução deste estado de coisas, já se notam e tudo leva a crer que se acentuarão ainda mais pondo em risco o capital e o trabalho de toda uma indústria dado que a moda parece apostada em querer riscar da actividade nacional a produção do chapéu de que tantos e tantos vivem e a própria Nação aproveita, muito desejaríamos nós, muito desejariam todos os que aflitivamente pensam no futuro da chapelaria, que, numa louvável convergência de esforços e de boa vontade, o chapéu não fosse relegado por ninguém como objecto dispensável ou inútil, a começar pelas altas e bemquistas personalidades do Estado desde os elementos que compõem o govêrno até ao funcionalismo público, os servidores da Nação, para cujo bem-estar (o bem-estar de todos) a chapelaria também contribui.

Considerado que seja o que representa para todos os industriais, comerciantes, empregado, operários e para a própria Nação a gravidade de um mal crescente, o que fica dito, que bem se pode interpretar com um apêlo ao bom senso e ao patriotismo de todos, não são meras palavras vasias de sentido; antes a realidade de um mal que a todos afectará em geral.

S. João da Madeira,
Julho de 1952
Patriota


Carta recebida no Instituto Nacional de Estatística em 21-07-1952